Ontem quando parei no posto de gasolina para abastecer o carro lembrei do meu pai. Enquanto muitos chegam e mandam encher o tanque ou exibem notas de 50 reais, ele não tinha dinheiro e sempre estava com o tanque do carro na reserva. Quando ia botar gasolina no carro levava notas miudas e muitas moedas.
Se fosse hoje, seria algo assim, por exemplo, chegar no posto e dizer:
"Por favor coloque aí 5 reais e 85 centavos de gasolina comum"... Sendo que nesses R$5,85, pelo menos 1 real seria em duas moedas de 50 centavos e os 85 em moedas de 10 e 5 centavos...
Às vezes ainda olhava dentro do carro - uma Brasília - e ainda achava mais algumas moedas.
"Pode botar mais 15 centavos!", completava. E o frentista ficava a vida inteira lá contando os trocadinhos...
Quando fiz 10 anos de idade, ganhei uma bicicleta no Natal. Fomos todos comprar a bicicleta no centro da cidade, no dia 23 de dezembro, quando as lojas fervilhavam de fregueses. Já era tarde quando fomos.
Andamos todo o Saara - as lojas da rua da Alfândega, Ouvidor, Uruguaiana, onde se concentrava o comércio naquela época. Não havia shoppings ainda. Mas as bicicletas eram caras. O dinheiro não dava. Por fim encontramos uma bicicleta e depois de contar todas as notas e moedas de nossos bolsos, o dinheiro que meus pais possuíam era exatamente o valor da bicicleta. Nem uma moeda a mais ou a menos.
Compramos a bicicleta e voltamos pra casa no fusca do meu pai naquela tempo. Mas enquanto estávamos todos alegres e falantes, ele dirigia sério e calado. Não deu outra: quando chegamos na avenida Brasil, a gasolina acabou! Dessa vez não havia um centavo sequer pra comprar o combustível, mas meu pai nos deixou no carro e saiu andando com um galão de plástico na mão.
Daqui a pouco ele voltou com a gasolina. Minha mãe queria saber o que ele tinha feito. Naquela época não havia cartão bancário muito menos cartão de crédito. Ele explicou: havia deixado sua carteira de identidade no posto, como garantia de pagamento, em troca da gasolina. No dia seguinte voltou no posto com o dinheiro (trocadinho) e pegou sua carteira de volta.
Os anos passaram. Uma vez minha mãe e minha irmã foram passar uns dias numa fazenda na serra. Meu pai as levou e depois foi buscar. No alto da serra havia acontecido um acidente grave no dia anterior e a pista ainda estava cheia de óleo dos veículos que se acidentaram. Foi numa curva fechada.
Meu pai derrapou e perdeu o controle do carro. Caiu no abismo, capotando muitas vezes, até parar, com as 4 rodas no ar. Com muita dificuldade conseguiu sair são e salvo de dentro do automóvel, que só não pegou fogo porque não tinha gasolina.