Quando peguei meu primeiro inverno rigoroso, com neve, ventos gelados e tudo mais, a maior dificuldade que senti foi andar no gelo. Uma simples tarefa, como a de ir à lojinha da esquina se transformava num desafio ao equilíbrio.
No meio da rua não tinha gelo, mas era perigoso andar pela rua. Muitas vezes pedras grandes de gelo caíam do alto dos caminhões e essas pedras eram lançadas longe, quando pegas pelos pneus dos carros que passavam. Não dava nem pra andar pelo cantinho, junto do meio-fio, pois ali a neve retirada da rua era depositada. O morro de neve junto à sarjeta chegava a ter a minha altura em alguns lugares.
Tinha que andar mesmo pela calçada, que era onde ficava o temível gelo. Eu ia devagarzinho, me segurando quando possível. Infelizmente aquelas casas não tinham muro pra gente se segurar. Preferia ir afundando na neve intacta até os tornozelos do que arriscar levar um tombo.
Mas isso tudo acontecia quando eu estava sozinha e ia à pé ao comércio local. O caso é que uma noite um amigo americano me convidou para ir ao cinema que ficava perto de onde morávamos. Por isso resolvemos ir caminhando, mas logo que começamos a andar senti dificuldade para acompanhá-lo. Eu tinha que ir andando devagarzinho, enquanto ele, andava normalmente, como se não houvesse gelo no caminho. Era um mistério.
"Não consigo andar nessa velocidade!", protestei. Eu não sabia mesmo o que devia fazer para andar rápido naquela superfície escorregadia. Nós paramos e ele me olhou em silêncio por uns instantes. "Vou te ensinar o segredo de andar no gelo", ele disse muito sério e eu fiquei batendo os queixos, mas prestando atenção.
"Você tem que andar com fé. Com fé, entendeu?" Ele me deu o braço e começamos a andar. Andávamos rápido. Em alguns passos, sentia que íamos começar a deslizar, mas antes que isso acontecesse, já estávamos em outra passada!
Fiquei pensando nas estradinhas de barro que muitas vezes passei de carro quando ia para algum sítio ou fazenda no interior do Brasil. Caminhos cheios de buracos, pedras soltas, mato e terra fofa. Tinha que manter uma certa velocidade ao passar por esses lugares, pois se fosse devagar, o carro não conseguiria seguir em frente: ficaria atolado ou preso num buraco. Tinha que ir rápido, passando sobre os obstáculos, sem parar.
Acho que aprendi a caminhar com fé. No barro, no gelo, na vida, tanto faz. O processo é o mesmo.