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Em busca da imperfeição

quinta-feira, 5 de novembro de 2009 by Leila Franca


A brincadeira do artigo anterior me fez lembrar daquele tempo, de dez anos atrás. Naquela época, minha estratégia para combater o desemprego era ter pelo menos duas ou três atividades remuneradas diferentes, em horários ou dias alternados.

Entretanto, estes dois ou três empregos não eram suficientes para acalmar minha preocupação com o dia de amanhã. Então eu também aceitava serviços avulsos e tarefas de última hora. Mesmo assim, ainda pensava na probabilidade remota de ficar na dependência financeira de alguém e por isso minha mente não parava de bolar planos mirabolantes de fazer dinheiro por conta própria, o que de fato consegui inúmeras vezes. (Quase cheguei à conclusão de que o sucesso seria consequência de uma personalidade ansiosa.)

Pensava também que tinha de me manter atualizada e por isso não havia um dia que eu me levantasse sem ler as notícias dos principais jornais. Parar de estudar estava fora de cogitação. Precisava aprender e ensinar algo novo a cada dia.

Também não queria estar numa posição em que me sentisse solitária ou deprimida, portanto criei para mim passatempos que pudessem me manter ocupada e feliz para sempre. Atividades artísticas que fazem bem a alma. Entre uma tarefa e outra, eu pintava um quadro, uma aquarela ou fazia um desenho a bico de pena. Não me importava se aquilo me faria dormir apenas quatro horas por noite.

Tinha uma verdadeira dificuldade de fazer o que quer que seja com desordem à minha volta. Por isso mantinha documentos e papéis em pastas separadas e etiquetadas. Nas gavetas, a roupa dobrada. Meus talheres não podiam ficar misturados. Colher com colher, garfo com garfo, faca com faca. Não era muito fácil ser eu.

Mas nem sempre tudo funcionava da maneira como deveria ser. Estava tão acostumada com minha rotina que houve um dia em que fui trabalhar em pleno feriado. Só reparei que não era dia de trabalho quando fui estacionar o carro e tinha vaga. Também fui ao médico um dia antes da consulta marcada. É isso mesmo: a máquina de vez em quando trava.

Muitas vezes tirei um dia de folga (férias nunca), mas no dia seguinte precisava ir a nove lugares diferentes. Apesar de adorar paisagens campestres, acho que não me adaptaria a uma vida no campo. Sou uma pessoa da metrópole. Da confusão, do barulho, do engarrafamento, da poluição, do corre-corre, do anonimato.

Mas apesar de viver no controle da minha vida, este por vezes escapa. Ninguém é perfeito, mesmo que tente. Num dia em que teria de fazer um percurso digno de um quebra-cabeças do tipo labirinto, fui pega de surpresa.

Deveria comparecer a um compromissos em cada um dos meus três empregos no mesmo dia. Quando acordei, às 5 e meia da manhã ainda estava escuro. Me arrumei depressa, deixei bilhete com instruções para os filhos que dormiam, peguei o carro e saí. No primeiro emprego, tudo certo: "Mission accomplished!"

Passei no mercado, fiz um almoço rápido, deixei filho na escola, me arrumei de novo e fui para o segundo compromisso do dia: uma reunião importante na empresa do emprego número 2. A reunião não poderia durar mais do que duas horas, pensei. Assim, ainda poderia passar no caixa eletrônico, ir para o terceiro emprego, fazer um pequeno lanche e ir a faculdade. Estava tudo esquematizado.

Estacionei o carro em frente da empresa faltando apenas 5 minutos para a reunião. Estava dando tudo certo! Dei uma olhadinha no cabelo pelo espelho do carro, peguei a bolsa e ainda ia fumar um cigarrinho antes de entrar no prédio. Foi quando vi o problema: minha blusa estava do lado avesso!

Eu me perguntava como... Como vesti a blusa ao contrário? Não era uma blusa que desse pra disfarçar, dizer que era "estilo" estar do lado avesso. Era uma blusa do tipo social, com gola, bolso, botões na frente. A gola estava virada pra dentro. As linhas e fiapinhos dos botões estavam aparecendo. Do bolso, só se via o formato, pela costura. Coloquei a mão no alto das costas e senti as três etiquetas penduradas juntas. Não dava! Impossível ir à reunião vestida assim!

Frustrated Businesswoman

O que eu ia fazer? Na porta da empresa, pequenos grupos conversavam em círculos, na calçada e na rua havia um monte de gente andando. Como é que eu ia tirar a blusa ali? Mas que droga! O pior é que já haviam me visto chegando. Deram tchauzinho de longe. Como eu poderia fazer a volta e ir embora? Mas ao mesmo tempo, aparecer na reunião, quando todos param o que estão fazendo pra nos olhar, com aquela blusa ao avesso seria tenebroso!

Poderia tirar o carro da vaga, estacionar num lugar mais escondido e tirar a blusa. Mas pela lei de Murphy isso não poderia dar certo. Com certeza o próprio diretor da empresa apareceria na minha frente na hora que eu estivesse só de sutiã.

O pior é que estava fazendo um calor horrível dentro do carro. Já estava ficando suada, maquiagem derretendo. cabelo colando no pescoço. Um inferno! O que a gente não faz para não perder a pose!

Acendi um cigarro enquanto a hora da reunião ia chegando. Nunca havia chegado atrasada e não ia ser naquele dia que eu ia chegar! Ainda mais que eu já estava ali. Seria um absurdo. As pessoas já me olhavam de longe sem entender por que eu não saía do carro com o sol que estava fazendo. Eu fingia que procurava alguma coisa na bolsa. Que coisa mais ridícula!

Quer saber? Vou tirar a blusa aqui e pronto! "Tô no Rio de Janeiro, mermão! Qualé?!", pensei, tentando me convencer. Mas foi só desabotoar o primeiro botão e um homem apareceu na janela do carro: "Empresta o fósforo?" Não, não dava pra tirar a blusa ali! O pior é que não dava pra entrar rápido naquela empresa e seguir direto para o banheiro. Tinha que apresentar documento, cartão, crachá, rubricar um papelzinho, passar pela roleta, sorrir pra recepcionista, cumprimentar o segurança. Culpa da violência urbana.

Chegou a hora da reunião e todos que estavam na calçada sumiram no saguão do prédio. Tomei coragem, saí do carro e fui ter com a recepcionista. "Tem algum banheiro aqui embaixo?" Ela sorriu olhando para a etiquetona lateral da minha blusa (essa eu não tinha visto!) e me apontou um corredor. Caminhei rápido balançando as etiquetas da nuca, entrei no banheiro e virei a blusa.

Mais tarde pensei: sabe de uma coisa? É horrível ser perfeccionista! E a partir daquele dia tem faca na colher, tem colher no garfo, tem quadrado no redondo, tem papel fora da pasta, tem dias que chego atrasada, tem dias que simplesmente não faço e não vou. E se ficar sem emprego eu invento!

5 comentários:

  1. Claudinha
    6 de novembro de 2009 às 23:50

    Eu fui tão perfeccionista, tanto tempo, que hoje sou o oposto! Rrsrss!
    Brincadeiras a parte, não adianta nós querermos dar conta do mundo! O filho não vai morrer se hoje você esqueceu de cortar suas unhas. A casa não vai gritar se você deixar a louça para o outro dia. Todos nós temos limites e devemos saber reconhecê-los.
    Bjs!

  1. Leila Franca
    7 de novembro de 2009 às 00:00

    Agora vc imagina o desespero de um perfeccionista descobrir que está usando a blusa pelo avesso...rs

  1. Rosana Madjarof
    7 de novembro de 2009 às 00:32

    Leila,

    Maravilhoso!!!

    Adorei tudo. Mas você bem que podia inventar a moda não é?
    Podia dizer que esteve em Paris e viu as últimas tendências... rsrsrsrsrs
    Eu sou bem assim... Já fiz de tudo nesta vida, artesanato, perfumes, pintura, crochê, tricô, (*em off - teses de mestrado, doutorado) rssss
    Se você soubesse em quantos cursos eu me graduei com mérito... Você nem imagina... Ah! Lembra do meu Natal? Foi assim que consegui a grana... Me formando em várias universidades e em vários cursos... hehehehe
    Só não consigo fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, faço de tudo, mas cada coisa na sua vez...
    Só falta você me dizer que é libriana...

    Beijos no coração.

    Rosana.

  1. João Poeta
    7 de novembro de 2009 às 10:50

    Ah, adorei ler essa sua história. Muito cômica mesmo e daria um bom enredo para uma edição de TV.
    Já aconteceu comigo que, saí com um pé de sapato marrom e o outro preto, mas não dei o braço a torcer, quando me chamaram a atenção para o fato, eu disse: estou usando porque eu gostei da ideia, e daí, que mal há nisso? Eles riam e não ficaram convencidos da minha resposta, mas eu fiquei firme, não perdi a pose!

  1. Camila
    7 de novembro de 2009 às 16:35

    Adorei sua história, Leila!

    Menina, fiquei até sem fôlego... Como você conseguia?!?!? Ainda bem que relaxou um pouco, senão já poderia ter pifado a bateria, rsrsrs

    Beijinho

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