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Um amigo iraniano

terça-feira, 24 de novembro de 2009 by Leila Franca


A visita do presidente do Irã ao Brasil esta semana me fez lembrar de um iraniano que conheci em Boston, nos Estados Unidos. O nome dele era Hussein.

Logo que chegou, Hussein foi apresentado a todos no trabalho. Um de meus colegas, ao apertar sua mão, brincou: "Saddan?" Mas Hussein fazia questão de deixar claro que ele não era iraquiano e que o nome Hussein é tão comum em todo o Oriente Médio como José e João no Brasil. Mas eu pensei com meus botões que carregar este nome seria um fardo pesadíssimo naquela terra do tio Sam.

Hussein não parecia em nada com a imagem que eu fazia em minha mente de um iraniano. Pra começar, não usava barba nem bigode. Além disso, era super moderno e muito simpático. Na verdade, era um homem muito bonito.

Eu já havia conhecido outras pessoas provenientes do Oriente Médio em Boston. Lembro de um estudante, meio doido, que devia sofrer de solidão. Todas as tardes eu o via no metrô, perguntando a cada mulher que lá estivesse esperando o trem: "Aceita ir ao cinema?" E a resposta era sempre a mesma: "Não!", mas ele não desistia. Pra mim, perguntou duas vezes. Na segunda vez, ele se lembrou da minha fisionomia e exclamou: "Ah! Pra você já perguntei!" e foi fazer a pergunta para a mulher sentada ao meu lado.

Conheci também um árabe dono de uma loja onde eu comprava cigarros. Ele se abria em sorrisos cada vez que eu chegava. Um belo dia, sem mais nem menos, entre o cigarro e o troco, me pediu em casamento! Eu disse: "Não, obrigada!" Mas sem desfazer o sorriso, disse que eu esperasse um minutinho e entrou apressado por uma porta do fundo da loja, voltando com um rapaz de uns 20 anos: "Case-se então com meu irmão!" Eu tive que rir! "Muito obrigada, mas não posso aceitar!" Os dois me olharam decepcionados e eu tive que inventar: "Já sou prometida para casar com outro!" Assim, perdi a oportunidade de fazer parte de um harém!

Arabian Nights Experience Ball

Mas meu amigo Hussein não era assim. Ele já havia perdido este jeito. Antes de ir para os Estados Unidos, ele havia morado na Alemanha. Por isso no início era difícil entendê-lo, pois falava um inglês com sotaque alemão e árabe! Mas uma vez, Hussein me surpreendeu: vimos um grupo de turistas asiáticos tentando entender um cartaz com um cardápio pregado na entrada de um restaurante e, para minha surpresa, Hussein foi ajudar aquelas pessoas e eu descobri que ele sabia falar chinês!

"Como é que você sabe falar chinês, Hussein?", perguntei. Então ele me contou sua história e que tinha sido uma namorada que havia lhe ensinado a falar chinês. Ele sabia várias línguas e havia morado em vários países, mas sentia falta de sua família, de sua mãe e irmãos, que havia deixado no Irã.

Sahara Desert, Africa

Era curioso que quando sobrava comida e íamos jogar os restos fora, ele pedia que eu me encarregasse de jogar estas sobras no lixo, porque ele não poderia jamais fazer isto. Dizia que pensava nas crianças passando fome no deserto em seu país e por isso era pecado jogar comida fora. Essa era a única hora que eu via o Hussein verdadeiramente triste.

Adepto do kick boxing, Hussein também era um atleta. Em pleno inverno rigoroso, ele ia ao trabalho correndo ou de bicicleta. Gostava de carregar tudo que era pesado e todos ficavam admirados com sua força!

Uma vez Hussein me falou que estava na dúvida se ficava em Boston ou se ia para a Califórnia. Pensei que deveria ser por causa do clima. Mas um dia, que começamos a ouvir aquela música do James Brown "Sex machine", fiquei besta porque o Hussein começou a dançar igualzinho o cantor! Foi muito engraçado! Não tinha nada a ver!

Eu perguntei a ele: "Hussein, afinal o que você quer?", e ele respondeu: "Eu quero ser o Arnold Schwarzenegger!" Aí eu entendi: Hussein queria ser um ator de Hollywood! Mas que coisa! O curioso é que poucos dias depois, andando pelo centro de Boston, vi o Hussein de longe parado numa praça (devia estar esperando alguém). Ele estava todo arrumado, de terno, óculos escuros, e eu pensei: "sem dúvida, ele é um galã". Tinha tudo a ver!

Arnold Schwarzenegger

Fiquei chateada pois não consegui me despedir do Hussein quando voltei para o Brasil. Perdi o contato. Entretanto, soube que ele se casou com uma brasileira de Minas Gerais e com todas as reviravoltas da política internacional, penso que há grandes chances do Hussein estar agora no Brasil e, com certeza, falando um português com sotaque inglês, alemão, chinês e árabe.

Seria super incrível se o Hussein achasse este artigo que agora escrevo. Ele foi uma das pessoas mais agradáveis que já conheci. Faz parte da minha história. Um galã, um poliglota, um amigo, um iraniano.

PS.: Abaixo, James Brown em "Sex Machine", a música que Hussein sabia dançar.


vídeo: IkeDyson

10 comentários:

  1. Principe Encantado
    25 de novembro de 2009 às 12:38

    Como é bom conhecermos pessoas que marcam sua passagem em nossas vidas, gostei de seu texto, viajei nele.
    Abraços forte

  1. Serenissima
    25 de novembro de 2009 às 13:29

    Uma bela história,Leila.
    Fico torcendo que o Hussein também leia... e eu volte aqui para ler a história desse reencontro ;)

    Abraço carinhoso,
    Serenissima

  1. Leila Franca
    25 de novembro de 2009 às 14:32

    @Sereníssima, sim isto seria muito divertido! rs

  1. Luísa
    25 de novembro de 2009 às 15:00

    Leila,

    Já não posso com tanto rir! Já estou até atrasada com o banho da minha filha, que, aliás está regalada por ver o tempo passar!
    Mas eu achei mal não teres aceite aqueles pedidos de casamento! Se calhar a esta hora sabias dançar a dança do ventre!
    Excelente narrativa, amiga! Adorei.

    Beijos
    Luísa

  1. RobMaia
    25 de novembro de 2009 às 15:03

    Adorei seu texto. Eu também convivo bem com diversas culturas, sem entrar em choque. Tenho um grande amigo iraniano, Hazi Milani. Ele, a esposa dele (ele só tem uma) e o casal de filhos são, todos, pessoas maravilhosas. Aprendi muito de humanitarismo convivendo com eles. Mas, sem rasgação de seda, devo confessar: em seus textos, muito além do conteúdo, que é sempre ótimo, fico pasmo com a qualidade da escrita. Você é talentosa com as letras. E tudo original - coisa rara de se ver nessa web repleta de plagiadores. Parabéns, Leila. Super abraço.

  1. Júlio [Ebrael]
    26 de novembro de 2009 às 04:22

    Oi Leila!!

    Vc sabe que acredito que são essas pessoas e suas peculiaridades que fazem graça em nossa vida?? São aquelas que nos extraem um sorriso repentino, e que por isso é um sorriso mais gostoso, imprevisto.

    Já conheci algumas destas pessoas, inclusive árabes.

    BJs Leila!!

  1. Unknown
    26 de novembro de 2009 às 14:24

    Bem, não podemos generalizar, ja o Lula prefere o Ahmadinejad ... óia até rimou ... to virando poeta.

  1. Lilika Forever
    26 de novembro de 2009 às 22:14

    Amiga seu blog é maravilhoso e adorei a história do Hussein....rs
    Bjs
    Lilika Forever

  1. Iúri
    26 de novembro de 2009 às 23:18

    Olá Leila,

    Um post para muita reflexão...
    Uma, sobre a questão do pré-conceito, já que todos achamos que os Husseins da vida são parecidos com o Sadan.

    Outra, é a questão do desperdício, que entristecia muito seu amigo. Fico tão triste quanto ele quando vejo alguém desperciçar comida.

    Ótimo artigo.
    Grande abraço, e obrigado pela visita ao meu blog.

  1. Sergio M. Soares
    29 de novembro de 2009 às 02:00

    Pôxa, falar árabe, inglês, alemão e chinês não é fácil e até um pouco anormal (rs*), por toda a dificuldade que essas línguas têm, são totalmente diferentes uma da outra.
    Parabéns pelo texto, é o tipo de crônica que é sempre uma aventura ler, no melhor sentido da palavra aventura.

    Um forte abraço!

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